Foto tirada daqui.
Até começar a trabalhar em uma editora, nunca havia pensado em ser
editora de livros. E nem sei se alguém, quando criança, tem esse tipo de
aspiração. Nunca vi crianças dizendo: "Quando eu crescer, quero ser
editor(a) de livros". Mas, de certa forma, sempre tive vontade de
trabalhar com livros - só que minha meta era mais trabalhar com texto
(escrever, traduzir, revisar) e ser boa, uma das melhores, nisso, sendo
que "a glória", meu ápice profissional, seria traduzir livros da área de
saúde (por isso fui estudar odontologia por um tempo; não foi uma
loucura repentina) e literários, especialmente de literatura japonesa,
direto do japonês - e de literatura tcheca, direto do tcheco, desde que
comecei a estudar o idioma há alguns anos.
Hoje de manhã revi o filme As horas, em que a Meryl Streep faz o
papel de uma editora nova-iorquina, e lembro que, quando o vi pela
primeira vez, fiquei encantada com as cenas em que os originais ou
provas de livros, impressos em papel, aparecem empilhados em uma
sala-escritório da casa dela (hoje em dia várias editoras devem aceitar o
original em arquivo). São pilhas de papéis com anotações e post-its,
como acontece na vida real. Fiquei meio fascinada com a possibilidade
de levar esses livros ainda em gestação para casa e ter o privilégio de
lê-los antes de todo mundo. Mesmo tendo visto o filme várias vezes, esse
detalhe, que para muitos deve passar batido, continua me chamando a
atenção.
Escrevo este post meio que pretensamente, porque ainda não sou
"editora". Talvez um dia me torne uma, estou em fase de aprendizados
eternos e, pelo rumo que as coisas estão tomando e pelo rumo que estou
dando às coisas, é isso que serei quando crescer.
Quando fui trabalhar em uma editora pela primeira vez, em 2009, fazia um
trabalho que é o sonho de muita gente: coordenava o departamento de
tradução. Selecionava títulos para possível publicação (ou seja,
solicitava os títulos para editoras estrangeiras e lia pelo menos uma
parte deles para ver se o conteúdo tinha a ver com a linha de publicação
da editora), selecionava tradutores free-lance para traduzir os livros a
ser publicados, avaliava a qualidade da tradução, selecionava revisores
de tradução, além de traduzir e revisar alguns títulos também - entre
outras várias atividades que não eram as principais. Eu era apaixonada
por esse trabalho, mas, por motivos pessoais, migrei para uma outra
editora no ano seguinte, onde fiquei apenas alguns meses, até chegar a
esta terceira onde trabalho atualmente.
Nas duas primeiras editoras, eu tinha noção de partes do processo e,
nessa terceira, por ser uma editora pequena, participo de todo o
processo de publicação (desde ver o original do livro em Word, passando
pelo trabalho com o texto - às vezes edito e reviso alguns títulos, às
vezes elaboro textos para ser incluídos em capas ou em campanhas de
divulgação -, agendamento de locutores para gravar os CDs de áudio que
acompanham os livros, até a contratação de serviços gráficos e entrega
dos livros). E às vezes me irrito com vendedores de serviços gráficos e
de papel - mas isso daria um outro post.
Ao longo da minha recente caminhada pelo meio editorial, me dei conta de
que ser uma editora, aliás, ser uma BOA editora, é um processo muito
árduo e lento. Diferentemente de várias outras áreas, em que se pode
focar e se especializar em algo e ser bom naquilo, ser uma boa editora
significa ter uma boa noção de várias áreas.
Antes de continuar, um parênteses: sou extremamente grata por ter
tido/ter a chance de trabalhar internamente em uma editora. Tenho
certeza absoluta de que sou uma tradutora e revisora muito melhor por
conhecer em detalhes todo o processo de publicação de livros. Também sou
grata por ter a chance de trabalhar com um editor extremamente
profissional, com quase a minha idade apenas de trabalho na área, e que
me ensina muito.
Continuando, para mim, com base em experiências e observação, ser uma boa editora significa:
1. gostar de ler e ler muito sobre tudo (ter sido uma boa leitora
desde criança ajuda, pois quando somos mais jovens temos mais tempo e
menos preconceitos);
2. ter um excelente domínio da língua portuguesa;
3. ter domínio de, no mínimo, uma língua estrangeira (atualmente,
acho que saber inglês é um bom começo); dominar outras línguas -
quanto mais, melhor -, pois facilita muito a vida profissional,
especialmente no momento de avaliar originais estrangeiros, selecionar
tradutores e negociar os direitos de publicação com editoras
internacionais;
4. ter cultura geral (não é tão difícil se o item 1 for verdadeiro);
5. saber avaliar "racionalmente" um original (ou seja, pesquisar
se e quantos títulos semelhantes já foram lançados por outras editoras, o
que os leitores comentam sobre eles e se há público e mercado para
aquele determinado livro);
6. tentar descobrir em que categoria o original se encaixa: a) o
livro é bom e há um público-alvo que certamente o compraria; b) o livro é
bom, mas não há público para ele/o público é extremamente restrito; c) o
livro é ruim, mas provavelmente há um público-alvo numeroso e ansioso
para consumi-lo; d) o livro é ruim, mas o autor é famoso e tem uma
legião de fãs (bastando "apenas" um bom trabalho de edição); e) o livro
é ruim e provavelmente não haveria público para ele;
7. conciliar, de forma realista, o orçamento disponível com o que
se pretende publicar (não é possível publicar um livro colorido, com um
bom papel e capa dura com um baixo orçamento, por exemplo);
8. ter boas habilidades interpessoais e um ótimo jogo de cintura com os autores, sobretudo os chatos;
9. ter noções de design gráfico - ainda que editores, em geral,
não sejam os responsáveis pelo projeto do livro (quando são definidos o
formato do livro, as cores em que será impresso, se haverá ilustrações
etc.), é preciso ter alguns conhecimentos para poder avaliar o trabalho
de possíveis funcionários ou colaboradores da área (hoje em dia, para
mim, é nítida a diferença entre bons designers e pessoas que fizeram um
curso de fim de semana e se dizem designers/capistas - e isso importa
muito, porque pode ter um impacto direto na venda do livro);
10. ter noções de marketing ajuda a impulsionar a divulgação do
livro para o público-alvo e também a avaliar se as ações do departamento
de marketing estão sendo coerentes com as práticas do mercado,
público-alvo e perfil da editora;
11. estar atenta aos mercados nacional e internacional e estar
aberta às inovações (redes sociais, concorrência, evolução/flutuações do
mercado editorial, e-books, expectativas do público que consome os
livros publicados pela editora...);
12. entender, mesmo que sucintamente, como funcionam o departamento de vendas e o departamento financeiro;
[Três outros itens de que lembrei e incluí, depois de ter publicado este post:]
13. ter feeling em relação a que título(s) publicar (intuição de que aquele conteúdo vai ser bom ou agradar uma boa parte do público-alvo);
14. ter noções de direitos autorais;
15. saber como planejar o todo antes de dar início ao processo de publicação e ter uma visão geral de como todos os itens anteriores estão interligados.
Tendo isso em mente, às vezes me angustio porque não sei quantos anos
levarei para ter domínio sobre a maioria dos itens que listei. A única
coisa que posso afirmar atualmente é que domino o trabalho com texto,
mas sei que esse também será sempre um aprendizado constante.
No fim, espero que tudo que estou buscando aprender e tentando aprimorar
valha a pena. Sempre vale a pena quando a alma não é pequena, não é
mesmo? :)
Leia também: O que faz uma assistente editorial? ou Libros nuevos
Originalmente publicado em 24/02/2013 nesse meu outro blogue.
Nenhum comentário:
Postar um comentário