sábado, 1 de fevereiro de 2014

Então você quer ser editor(a) de livros?

 Foto tirada daqui.

Até começar a trabalhar em uma editora, nunca havia pensado em ser editora de livros. E nem sei se alguém, quando criança, tem esse tipo de aspiração. Nunca vi crianças dizendo: "Quando eu crescer, quero ser editor(a) de livros". Mas, de certa forma, sempre tive vontade de trabalhar com livros - só que minha meta era mais trabalhar com texto (escrever, traduzir, revisar) e ser boa, uma das melhores, nisso, sendo que "a glória", meu ápice profissional, seria traduzir livros da área de saúde (por isso fui estudar odontologia por um tempo; não foi uma loucura repentina) e literários, especialmente de literatura japonesa, direto do japonês - e de literatura tcheca, direto do tcheco, desde que comecei a estudar o idioma há alguns anos.
Hoje de manhã revi o filme As horas, em que a Meryl Streep faz o papel de uma editora nova-iorquina, e lembro que, quando o vi pela primeira vez, fiquei encantada com as cenas em que os originais ou provas de livros, impressos em papel, aparecem empilhados em uma sala-escritório da casa dela (hoje em dia várias editoras devem aceitar o original em arquivo). São pilhas de papéis com anotações e post-its, como acontece na vida real. Fiquei meio fascinada com a possibilidade de levar esses livros ainda em gestação para casa e ter o privilégio de lê-los antes de todo mundo. Mesmo tendo visto o filme várias vezes, esse detalhe, que para muitos deve passar batido, continua me chamando a atenção. 
Escrevo este post meio que pretensamente, porque ainda não sou "editora". Talvez um dia me torne uma, estou em fase de aprendizados eternos e, pelo rumo que as coisas estão tomando e pelo rumo que estou dando às coisas, é isso que serei quando crescer.
Quando fui trabalhar em uma editora pela primeira vez, em 2009, fazia um trabalho que é o sonho de muita gente: coordenava o departamento de tradução. Selecionava títulos para possível publicação (ou seja, solicitava os títulos para editoras estrangeiras e lia pelo menos uma parte deles para ver se o conteúdo tinha a ver com a linha de publicação da editora), selecionava tradutores free-lance para traduzir os livros a ser publicados, avaliava a qualidade da tradução, selecionava revisores de tradução, além de traduzir e revisar alguns títulos também - entre outras várias atividades que não eram as principais. Eu era apaixonada por esse trabalho, mas, por motivos pessoais, migrei para uma outra editora no ano seguinte, onde fiquei apenas alguns meses, até chegar a esta terceira onde trabalho atualmente.
Nas duas primeiras editoras, eu tinha noção de partes do processo e, nessa terceira, por ser uma editora pequena, participo de todo o processo de publicação (desde ver o original do livro em Word, passando pelo trabalho com o texto - às vezes edito e reviso alguns títulos, às vezes elaboro textos para ser incluídos em capas ou em campanhas de divulgação -, agendamento de locutores para gravar os CDs de áudio que acompanham os livros, até a contratação de serviços gráficos e entrega dos livros). E às vezes me irrito com vendedores de serviços gráficos e de papel - mas isso daria um outro post.
Ao longo da minha recente caminhada pelo meio editorial, me dei conta de que ser uma editora, aliás, ser uma BOA editora, é um processo muito árduo e lento. Diferentemente de várias outras áreas, em que se pode focar e se especializar em algo e ser bom naquilo, ser uma boa editora significa ter uma boa noção de várias áreas.
Antes de continuar, um parênteses: sou extremamente grata por ter tido/ter a chance de trabalhar internamente em uma editora. Tenho certeza absoluta de que sou uma tradutora e revisora muito melhor por conhecer em detalhes todo o processo de publicação de livros. Também sou grata por ter a chance de trabalhar com um editor extremamente profissional, com quase a minha idade apenas de trabalho na área, e que me ensina muito.
Continuando, para mim, com base em experiências e observação, ser uma boa editora significa:
1. gostar de ler e ler muito sobre tudo (ter sido uma boa leitora desde criança ajuda, pois quando somos mais jovens temos mais tempo e menos preconceitos);
2. ter um excelente domínio da língua portuguesa;
3. ter domínio de, no mínimo, uma língua estrangeira (atualmente, acho que saber inglês é um bom começo); dominar outras línguas -  quanto mais, melhor -, pois facilita muito a vida profissional, especialmente no momento de avaliar originais estrangeiros, selecionar tradutores e negociar os direitos de publicação com editoras internacionais;
4. ter cultura geral (não é tão difícil se o item 1 for verdadeiro);
5. saber avaliar "racionalmente" um original (ou seja, pesquisar se e quantos títulos semelhantes já foram lançados por outras editoras, o que os leitores comentam sobre eles e se há público e mercado para aquele determinado livro);
6. tentar descobrir em que categoria o original se encaixa: a) o livro é bom e há um público-alvo que certamente o compraria; b) o livro é bom, mas não há público para ele/o público é extremamente restrito; c) o livro é ruim, mas provavelmente há um público-alvo numeroso e ansioso para consumi-lo; d) o livro é ruim, mas o autor é famoso e tem uma legião de fãs (bastando "apenas" um bom trabalho de edição); e)  o livro é ruim e provavelmente não haveria público para ele;
7. conciliar, de forma realista, o orçamento disponível com o que se pretende publicar (não é possível publicar um livro colorido, com um bom papel e capa dura com um baixo orçamento, por exemplo);
8. ter boas habilidades interpessoais e um ótimo jogo de cintura com os autores, sobretudo os chatos;
9. ter noções de design gráfico - ainda que editores, em geral, não sejam os responsáveis pelo projeto do livro (quando são definidos o formato do livro, as cores em que será impresso, se haverá ilustrações etc.), é preciso ter alguns conhecimentos para poder avaliar o trabalho de possíveis funcionários ou colaboradores da área (hoje em dia, para mim, é nítida a diferença entre bons designers e pessoas que fizeram um curso de fim de semana e se dizem designers/capistas - e isso importa muito, porque pode ter um impacto direto na venda do livro);
10. ter noções de marketing ajuda a impulsionar a divulgação do livro para o público-alvo e também a avaliar se as ações do departamento de marketing estão sendo coerentes com as práticas do mercado, público-alvo e perfil da editora;
11. estar atenta aos mercados nacional e internacional e estar aberta às inovações (redes sociais, concorrência, evolução/flutuações do mercado editorial, e-books, expectativas do público que consome os livros publicados pela editora...);
12. entender, mesmo que sucintamente, como funcionam o departamento de vendas e o departamento financeiro;

[Três outros itens de que lembrei e incluí, depois de ter publicado este post:]

13. ter feeling em relação a que título(s) publicar (intuição de que aquele conteúdo vai ser bom ou agradar uma boa parte do público-alvo);

14. ter noções de direitos autorais;

15. saber como planejar o todo antes de dar início ao processo de publicação e ter uma visão geral de como todos os itens anteriores estão interligados.
Tendo isso em mente, às vezes me angustio porque não sei quantos anos levarei para ter domínio sobre a maioria dos itens que listei. A única coisa que posso afirmar atualmente é que domino o trabalho com texto, mas sei que esse também será sempre um aprendizado constante.

No fim, espero que tudo que estou buscando aprender e tentando aprimorar valha a pena. Sempre vale a pena quando a alma não é pequena, não é mesmo? :)


Leia também: O que faz uma assistente editorial? ou Libros nuevos

Originalmente publicado em 24/02/2013 nesse meu outro blogue.

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